Os impostores que habitam em nós!

Os impostores que habitam em nós!

O sucesso do jogo Among Us é incontestável, tanto que a própria plataforma apresentou dificuldades em comportar a quantidade de pessoas e avisos de queda no servidor surgiram. Recentemente, tive contato com esse jogo no meu ciclo familiar e percebi o quanto podemos aprender sobre nós mesmos através da história e da proposta dele.

Uma das partes que me chama a atenção já nos primeiros momentos do jogo diz respeito a sua configuração. Quem já jogou sabe, que você só pode iniciar a partida quando há 3 (três) ou mais jogadores, contando com 1 (um) a 3 (três) impostores.

Mas o que isso diz de nós?

Nós não somos um só! Nós, em nossa subjetividade, somos constituídos por diferentes personalidades, que podemos chamar também de personagens, que em diálogo atuam em nós e nos conduzem nas decisões e formas de se colocar no mundo. Esses personagens possuem características próprias: cores, espaços que se sentem melhor, roupas que preferem usar, linguagens únicas, motivações e regras pessoais. Eles se constituem ao longo da nossa vida e são fortalecidos pelas experiências e histórias que vivenciamos.

E todos esses personagens tem objetivos que desejam alcançar: o personagem do trabalho pode estar bem focado em aumentar as vendas para que seja promovido; o personagem família pode estar pensando na constituição de uma; o personagem independente pode estar em busca da sua liberdade financeira. E assim por diante.

Os impostores!

No jogo o impostor tem como objetivo principal matar todos os demais tripulantes sem ser pego para que consiga vencer. Basicamente, é preciso que ele diminua mais e mais a quantidade de personagens, restando apenas ele e mais um.

No nosso diálogo interno existem diferentes vozes que ecoam. É comum que elas desejem sobressair umas as outras e isso pode fazer com que personagens sejam cristalizados em nossas vidas. Ao permitir isso, saímos do diálogo para o monólogo, onde só um fala. O perigo disso é que não estar aberto ao diálogo nos afasta das pessoas e das boas experiências. Nos afasta inclusive, dos sentimentos prazerosos que tanto desejamos sentir.

Os nossos sentimentos, como a alegria, o amor e o gozo, são experimentados na interação com o outro, quando nos permitimos ser conhecido pelo o outro. Mas quando só um personagem tem voz fica difícil experimentar coisas novas.

Os impostores são aqueles personagens, aquelas vozes, que ecoam em você e que te impedem de ser quem você é, que te impedem de viver o que você deseja viver. É o medo de não ser o suficiente, é a voz que diz que precisa ser feito com mais perfeição para ser aceito, é a fuga da rejeição, é o medo de errar. Constantemente, são essas vozes que nos paralisam e nos impedem de alcançar nossos objetivos – representados no jogo como as missões.

Nesse sentido alguns exemplos de impostores podem ser: medo do ridículo, insegurança, autocobrança excessiva, vergonha, perfeccionismo, escassez, egoísmo, comparação, desmotivação, necessidade de controle.

Mas qual é o objetivo deles?

O objetivo dos nossos impostores internos é matar os sonhos e projetos que temos traçado, é sufocar as vozes de esperança e de confiança em nós mesmo. Tudo isso para que se sintam seguros no final de que estão no controle, pois alcançaram a vitória sobre os demais. Se você já jogou Among Us sendo o impostor, certamente sentiu essa sensação de controle e persuasão quando conseguiu convencer aos outros de que você não era o impostor e concluiu a missão de matar os demais personagens.

A reunião de emergência

Quando um tripulante, o qual estamos chamando de personagem aqui, encontra um outro tripulante morto ele pode reportar isso e uma reunião de emergência acontece. Em seguida, todos devem discutir e votar em quem acreditam ser os impostores.

No nosso diálogo interno, muitas das vezes, não conseguimos pensar que existem vozes nos impedindo de ser ou agir sem que algo aconteça antes. É preciso ter um sinal de alerta. Mas agora imagine se você no jogo só se depara com um tripulante morto depois que outros também já morreram (quem já jogou sabe que as vezes você só percebe que alguém morreu na hora da discussão).

No nosso mundo interno isso significa que podemos só nos dar conta da necessidade de compreender os impostores depois de muita bagunça feita. Ou seja, depois que estamos com muitas dificuldades e passando por momentos difíceis. Por isso, precisamos estar em constante autoavaliação para que não seja preciso grandes crises para percebemos que algo não vai bem. Estar atento aos primeiros sinais é extremamente importante.

Por isso, a reunião não deve ser de emergência, deve acontecer diariamente como um convite a essa avaliação interna. Desta forma, todos os personagens ganham espaço de voz para compreender melhor o que nos move e o que precisa ser desenvolvido para chegarmos onde desejamos.

A discussão

Quem me acompanha sabe o quanto eu abordo o diálogo como o tema principal para a resolução de conflitos. O diálogo, quando exercido com humildade, empatia e respeito é libertador. Isso pois, através dele podemos ampliar nossas possibilidades de ser e experimentar o melhor das relações.

O momento da discussão no jogo é um momento bem conturbado. Primeiro pela questão do tempo: há uma pressão para escolhermos rápido em quem votar como impostor. Segundo pelos diferentes argumentos que surgem e a enxurada de mensagens que nem sempre conseguimos acompanhar.

Tendo em vista o primeiro motivo, é importante salientar que os diálogos internos demandam tempo para que se desenvolvam com mais qualidade. Por isso, se limitamos nosso momento de diálogo podemos sim tomar decisões precipitadas e sem direcionamento.

Quanto ao segundo motivo, é preciso analisar que os personagens mais persuasivos podem se tornar mais fortes se não permitimos que todas as vozes se manifestem. Aqueles que já possuem mais habilidade de nos convencer e cairmos novamente numa decisão errada.

Precisamos permitir que as diferentes vozes exponham seus pontos de vistas nos nossos diálogos internos Assim como, dialoguem umas com as outras. Pois assim, é possível entender quais são os personagens que precisam silenciar, como a voz do fracasso, e quais precisam falar mais, como a aceitação.

E então, pronto para conhecer melhor os seus personagens?

Vem dialogar!

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