O paradoxo da independência
Independência. Essa palavra pode tocar as pessoas de diferentes formas. Isso pois, uns desejam desenfreadamente alcançar graus mais altos dela. Ao mesmo tempo que, outros estão sendo sufocados pelas relações independentes que vivenciam.
Lembro de um relato de uma de minhas clientes em processo psicoterapêutico que sempre discorria como estava desenvolvendo sua independência. Ela sentia-se constantemente sobrecarregada emocionalmente pelas relações familiares e desejava criar algumas fronteiras, para que pudesse se sentir mais aliviada. Em outras palavras, ela desejava arduamente se livrar dos enlaces da família e se sentir livre.
Todavia, me lembro também do oposto. Ao contrário desse primeiro relato, lembro de outra cliente que se sentia sozinha na sua independência. Em suma, as grandes barreiras criadas e mantidas na família impediam o diálogo e a troca de sentimentos entre as pessoas daquele sistema. E como resultado, reforçavam o lema da família: “somos uma família independente”. Ser independente para ela era o mesmo que estar sozinha.
Você consegue perceber o paradoxo nos relatos?
Ou melhor, a distância e os extremos em que ambas se encontram?
Primeiramente, há a necessidade de mais independência para diminuir o sentimento de estar sobrecarregada pelas necessidades dos outros. E em segundo lugar, a independência desenvolvida foi a causa da pessoa se sentir sozinha. Ambos os relatos me fazem pensar que os extremos são polos difíceis de possuírem diálogo, mas ainda assim há uma tentação no extremo da independência. Porque será?
Porque queremos a independência?
Atualmente, há uma constante propaganda social sobre a independência. Realizar grandes feitos sozinho é altamente estimado. Não precisar de outras pessoas para fazer algo reforça sentimentos de poder e força. A independência não precisa de ajuda e por isso não a aceita. É você sem os outros.
Em certo grau nós associamos a independência com liberdade. E por isso, a desejamos ardentemente. Ser livre para ir e vir, para fazer o que quiser e não precisar prestar contas com ninguém sobre isso é realmente tentador. Liberdade, numa sociedade com infindáveis formas de controle, é uma ideia altamente cobiçada e se ser independente é ser livre, é isso que buscamos.
Todavia, esquecemos dos perigos envoltos nisso. Se uma criança é relembrada constantemente por sua família que precisa desenvolver sua independência, crescerá com carências afetivas. Um adulto independente pode estar regado de falta de confiança nas pessoas e em suas relações e por isso, não consegue enxergar o que o impede de ser vulnerável.
Ser vulnerável é, em outras coisas, estar disposto a receber ajuda.
Então devemos buscar a dependência ao invés da independência?
Gosto de reforçar que extremos nunca são bem vindos. Crianças certamente dependem emocionalmente de seus cuidadores para desenvolver-se, mas essa dependência não deve se perpetuar para toda a vida. Assim como, há momentos que pode haver uma dependência emocional temporária em um relacionamento em prol de um bem estar, como em processos de luto.
Todavia o que eu percebo é que confundimos muito independência com autonomia. Por que assim nos foi ensinado: ser destaque, ser melhor que os outros, não precisar de ajuda, não ser vulnerável, nunca sofrer. A competitividade e as frustrações nas relações geram em nós o desejo por independência.
Independência:
- é individualista e segregadora;
- desconsidera os demais agentes envolvidos no processo, faço o que preciso fazer;
- competitiva;
- emocionalmente frágil (dificuldade em confiar e expor sentimentos).
Autonomia:
- é sistêmica e colaborativa;
- considerar os demais agentes envolvidos no processo, suas vozes são respeitadas;
- agregadora;
- emocionalmente estável (capacidade de ser vulnerável)
Sobre as relações…
Pessoas que carregam grandes mágoas nas relações com outras pessoas podem desejar a independência, como uma tentativa de se blindar e afastar das situações desagradáveis que vivenciou. Todavia, o esforço pela independência pode te levar a uma vida de solidão. As experiências necessitam de espaço de diálogo e escuta, para promover a real libertação. Você não precisa isolar-se do mundo. É possível desenvolver novos e melhorados relacionamentos. Assim como é possível dar novos significados para as antigas relações.
Quando buscamos a autonomia de ser quem somos, e abrimos mão da independência a qualquer custo, estamos abertos a entender o que perpassa a relação com o outro. Nem tudo é sobre nós mesmo e muito ocorre na relação. E assim, deixamos de construir barreiras sólidas entre nós e outro para construir fronteiras fluídas, em que podemos transitar com segurança emocional.
E você, o que pensa sobre o assunto?
- Autor
- Nome
- Vanessa Mattos
- Psicóloga Clínica - CRP 12/19336