Divertidamente: o que podemos aprender sobre diálogos internos
A animação da Pixar, Divertidamente, lançada em 2015 encontrou um espaço especial no coração de muitos psicólogos. Principalmente, porque diferentes partes do filme dialogam com muitos saberes da área da psicologia, o que possibilitou recursos diversos dentro dos atendimentos. Todavia, percebi que grande parte dos conteúdos que abordam esse filme trazem alusão a explicações complexas e não tão ricas para o dia a dia das pessoas.
Por isso, quis colocar o foco em algo simples que ocorre no filme, que de tão cotidiano em nossas relações, acaba por passar despercebido. Esse texto buscar o olhar sobre os diálogos internos que acontecem na animação e que nos revelam um pouco de como funcionamos na linguagem. O intuito é explorá-los de forma a te ajudar a compreender como nos relacionamos com nós mesmos, como as decisões ocorrem e como os problemas se dissolvem.
Diálogos internos
A animação nos leva ao encontro do que acontece unicamente na linguagem: a manifestação de quem nós somos. No estudo da psicologia nós chamamos de self narrativo, que é fruto de nossas interações sociais, possui muitas identidades e está em constante construção por meio das relações sociais.
Já no início do filme nos são apresentados alguns personagens importantes no diálogo interno de Riley: a alegria, a tristeza, a raiva, a nojinho e o medo. Em suma, tratam-se de emoções, mas não necessariamente nós tenhamos essa configuração singular e tão distinta. Nossas emoções são extremamente importantes e são presentes em nossos diálogos internos, mas esses diálogos não se resumem exclusivamente a elas. Eles são mais complexos e cheios de histórias.
O contraste de cada personagem interno
Na verdade, no próprio filme podemos ver como a emoção alegria é regada por lembranças positivas de experiências que vivenciou. E foi isso que a criou e a sustenta. Assim como os demais personagens possuem lembranças de narrativas que presenciaram, diálogos que participaram e experiências que tiverem que constituem quem eles são. Por isso, quando acontece o diálogo entre eles é comum você perceber que eles “puxam” para o lado deles, reforçando o porque de estarem agindo daquele jeito, pois possuem características com base no que reforça sua existência: sua “bagagem de experiências”.
Uma cena clássica disso é quando a alegria recorda uma lembrança de um momento de diversão em que Riley solta leite pelo nariz. Para ela aquele momento foi muito engraçado, mas para a tristeza foi um momento dolorido, porque ardeu o nariz.
Ou seja, diferentes personagens podem ter uma mesma lembrança com enfoque diferente. E essa é uma das maiores riquezas no ser humano. Por isso, em alguns momentos nos encontramos em conflito interno, porque nossos personagens internos estão em diálogo. Principalmente quando se trata de decisões importantes, eles irão dialogar para decidir o que acham melhor. E nem sempre eles concordam.
Divertidamente e a constituição do ser
A Terapia Colaborativa Dialógica defende a constituição do ser, regido pela linguagem e que constitui-se em seus diálogos externos e internos. É como se houvessem várias vocês em você: quem sabe uma que reforça o perfil do trabalho, outra que reforça falas de medo, outra que traz narrativas de um papel social (como mãe, pai, tio) e assim por diante. E esses personagens são constituídos diferentemente em cada pessoa. Ou seja, não temos os mesmos e ainda que possam se assemelhar, nunca serão os mesmos. Porque eles são constituídos na sua história, nas suas experiências, nas suas dores e traumas, nos seus aprendizados e no seu contexto.
Esses personagens internos (LENZI, 2013) possuem formas de se expressar que são únicas e aparecem em nosso corpo de diferentes formas. Você já teve a sensação de vestir um estilo de roupa específica e simplesmente sentir que mudou quem era? Por exemplo: há pessoas que só conseguem trabalhar quando colocam a roupa que faz alusão ao trabalho (como uma roupa mais formal/uniforme). O personagem do trabalho dessa pessoa se manifesta com mais integridade dessa forma.
O que acontece nos diálogos internos
Um importante destaque é que nós colocamos esses personagens em diálogo e alguns deles podem ser bem persuasivos. O diálogo entre a alegria e a tristeza é um exemplo claro disto. Em todo o momento a alegria consegue de alguma forma convencer a tristeza a fazer coisas que não fiquem no caminho do que ela (a alegria) acha que é o melhor. E esse é um ponto importante: todos os nossos personagens, mesmo com todos os seus pontos fracos, querem, desejam e fazem de tudo pensando que nos farão bem. É como se nossos personagens tivessem a crença de que sua visão é a melhor para nós.
Por isso, nós, que possuímos a capacidade de analisar esses diálogos internos podemos fazer algo a respeito. Nós podemos buscar entender melhor o porque que certos personagens se manifestam de tal maneira. Assim como, entender como eles dialogam e quem está sobressaindo, para depois convidar novas vozes para a conversa. É preciso estar atentos para entender quais deles tem ganhado mais voz, quais deles precisam de um tempo de silêncio e quais já foram sufocados demais.
Que possamos entender a necessidade de cada um deles para o nosso processo, avaliando aqueles que precisam conhecer novas vozes e serem transformados e aqueles que podem entrar nos diálogos cotidianos para nos trazer mais bem estar.
E então, você já tinha pensando no filme Divertidamente dessa forma?
- Autor
- Nome
- Vanessa Mattos
- Psicóloga Clínica - CRP 12/19336