Home Office: para quem está cansado de dicas sem contexto

O home office se tornou ainda mais pertencente ao cenário brasileiro nesse período de pandemia. Diversas pessoas estão tendo que ajustar suas rotinas para conciliar as diferentes implicações de se estar em casa. Entre essas implicações podem estar: a falta de um ambiente de trabalho adequado, a presença dos filhos sem aula, as necessidades da casa e até mesmo, em alguns casos, o retorno para a casa dos pais.

Todas essas mudanças de contexto e as implicações que trazem, faz com que muitas pessoas tenham dificuldades em trabalhar nessa modalidade. Como conciliar o home office com o cuidado dos filhos, como me manter focado pensando em outras coisas relacionadas a lazer, que o ambiente de casa me proporciona? Como realizar minhas tarefas sem a pressão de um ambiente de trabalho?

Outros dificultadores

Se não bastasse a necessidade de lidar com essas mudanças, outros dificultadores podem assombrar as pessoas que buscam exercer o home office. Um deles é algo frequente, mas que anteriormente – no ambiente de trabalho – não possuía tanta força. Estou falando da procrastinação.

O deixar para a última hora, o adiar até onde der. A procrastinação tem feito parte de muitas vidas profissionais nessa quarentena. Em minhas pesquisas e atendimentos pude perceber que em grande parte ela está associada a desmotivação e ao perfeccionismo.

Quando falamos de desmotivação fica mais fácil pensar em “deixar para depois”. Isso pois, uma vez que você não tem prazer no que está fazendo e/ou sua única motivação é financeira, torna-se mais comum o “fazer o que tem que ser feito” e nada além disso. É importante aprofundar o diálogo sobre a desmotivação para compreender melhor como lidar com ela em seu contexto.

A desmotivação pode também ser contrária: não é que você não goste do seu trabalho, mas possui muito mais motivação para fazer outras coisas do que trabalhar. Pense bem: no home office você está em um ambiente que em grande parte do tempo lhe fazia associar com o prazer do descanso, do momento de silêncio, do teu espaço e do lazer. Associá-lo com o trabalho pode ser difícil.

Já o perfeccionismo é aquela voz que sempre diz: “deixe tudo perfeito antes de finalizar” ou “ainda não está bom o suficiente”. É a voz que te faz pensar tantas possibilidades e que te cobra tanto que tudo o que você faz é sempre adiar. Isso pois, nunca estará perfeito.

Um caminho para um home office mais proveitoso

É preciso trabalhar as cobranças internas no que compete a produtividade, a perfeição e as expectativas próprias para que a sua relação com o trabalho melhore. Assim como, conhecer por onde anda a desmotivação pode ser valioso. Todavia, é possível traçar caminhos para que o home office não seja algo tão penoso.

Em meus estudos com a Terapia Dialógica Colaborativa pude encontrar muitas reflexões acerca dos diálogos internos e da construção das identidades. Como seres humanos regidos pela linguagem, criamos personagens próprios que irão nos dizer quem somos. Se você consegue conversar consigo mesmo deve considerar que não conversa sozinho, mas com vários você que te compõe, num misto de emoções e narrativas que você escolheu para te representarem.

O home office pode aproveitar-se do personagem do trabalho e por isso, o autoconhecimento é tão importante. Pois, é através do conhecimento de como esse personagem/identidade aparece no seu corpo, nas suas características, na sua fala e no contexto ao seu redor que você conseguirá organizar melhor seu trabalho em casa.

Deixe-me exemplificar:

Algumas pessoas não conseguem pensar em trabalhar de pijama, mas em casa ficam de pijama. Uma forma adequada de trazer o personagem do trabalho à expressão é não utilizando pijama no momento designado para o trabalho.

Outras pessoas, podem sentir que caracterizam esse personagem estando em um ambiente de trabalho. Uma forma de auxiliar essa caracterização é montando o seu ambiente de trabalho em casa semelhante ao ambiente de trabalho externo, se possível usando os mesmos objetos e materiais.

Há quem prefira trabalhar sem interrupções ou pausas prolongadas. Sem dúvidas isso poderia ser bem mais fácil num ambiente externo. Todavia, é possível fazer acordos com as pessoas que você convive para que não haja interrupções frequentes.

Talvez o que mova o seu personagem do trabalho seja a rotina interna do ambiente externo, como o momento exato pro almoço, depois uma pausa, depois a conversa com alguém do time e assim por diante. Adaptar essas ações para o seu home office podem lhe ajudar também.

Minha experiência com home office

Eu recentemente me vi com muitas dificuldades em realizar o home office. Até que passei a entender meu personagem do trabalho e entender que o horário que ele aparecia com mais força era pela manhã, pois ele está acostumado a acordar cedo. Busquei entender também como ele considerava um ambiente de trabalho e percebi que era necessário um espaço com mesa, cadeira, notebook e todos os materiais necessários ao meu alcance (papéis, canetas, água). Percebi que ele não se preocupa tanto com o vestuário, mas que a cara “limpa” lhe promove uma sensação de relaxamento. Por isso, passei a fazer uma maquiagem básica e rápida antes do trabalho. E essa tem sido um pouco da minha descoberta diária.

O que eu quero dizer com isso é: conhecer a si mesmo é o caminho para um trabalho em casa mais produtivo, mais alinhado e de acordo com o seu desejado. É no conhecimento de como esse personagem aparece que você consegue criar um espaço acolhedor para que ele flua. Ou seja, você não precisa de técnicas de organização de rotina, de manuais de como trabalhar, de controle do tempo se isso não faz sentido para o seu personagem. Você precisa sentar e observar como ele se manifesta e promover mais ambientes assim, ainda que isso inclua grandes limitações.

E você, já pensou como o seu personagem do trabalho se manifesta?

Aqui vão algumas perguntas para te ajudar:

• Como ele aparece no corpo (roupas, cabelo, maquiagem)?
• Quais os horários que você sente que há maior relação com o personagem do trabalho?
• Qual o ambiente que esse personagem associa com trabalho?
• Complete a frase: Não é trabalho se não tem _______________________ (pode ser mais do que uma coisa)
• Rotinas com horários estabelecidos fazem sentido para você em relação ao trabalho?
• Como era o “ritual” que você fazia antes de ir para o trabalho quando não era home office?
• O que você considera que era o ponto decisivo em que você falava “agora vou trabalhar”?
• Quais são os maiores inimigos do personagem do trabalho? (ou seja, o que conseguia tirar ele de cena?)
• Quais eram os atores que reforçavam a identidade do trabalho e porque? (pessoas específicas)
• Complete a frase: Não é trabalho se eu não faço _____________________ (pode ser mais de uma coisa).

Espero que esse conteúdo tenha lhe ajudado!